quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Noite de Outono no Rio de Janeiro


Madrugada de quarta-feira para quinta em novembro. Outono na teoria.
O lençol deve estar a uns 50º.
A janela está aberta e não entra nenhum sopro de vento.
É claro que não consigo dormir.

Mais cedo, ao chegar em casa, depois de ficar quase uma hora enlatada no carro, descobri que não havia luz no prédio.
Melhor do que ter de subir 7 andares na escada escura é ter de dormir sem ventilador e ar condicionado. Adoro.
Gosto tanto quanto soluço, cisco no olho ou engasgar e ficar horas tossindo. Divertido.

Levantei e fui beber água na cozinha. Estava quente.
Eu já me preparei para ter de limpar a geladeira, pois toda minha comida com certeza estaria estragada até de manhã.
Mas é claro que isso só seria feito daqui a alguns dias, quando a casa já estivesse toda fedendo como o mangue da Linha Vermelha.

Tomei um banho frio.
Meu banheiro estava iluminado só por uma vela.
A água era a única coisa fresca naquela noite. E enquanto ela caía com força na minha cabeça eu comecei a perceber como a noite estava silenciosa.
Depois do banho saí com a minha vela na mão e fui olhar pela janela.
A rua estava vazia e escura. Não passava nenhum carro. Não havia nenhuma luz das janelinhas dos prédios próximos.
Apaguei a vela. Pois parecia que minha luzinha era imprópria àquela noite.
Enquanto eu farejava o ar, uma brisa bem fraca começou a correr. Eu senti o cheiro de "dama da noite" que vinha da rua de trás.
Pela primeira vez em alguns anos eu não estava pensando em nada, não estava fazendo planos ou preocupada com o dia seguinte. Só estava sentindo o cheiro de flor que vinha na brisa fraca e esperando até ficar cansada o suficiente para conseguir dormir mesmo naquele calor infernal.
Na varandinha lateral do meu apartamento havia uma rede onde fui deitar.
Balançava a rede com o pé.
Minha vida sempre se resumiu a uma ânsia louca de que algo acontecesse. Mas esse "algo" nunca aconteceu. Parecia que eu estava sempre esperando.
Mas, naquele momento, isso não estava incomodando.
Na verdade tudo era muito simples. Era a espera que complicava as coisas.
Se toda a energia que eu gastei imaginando o cara perfeito, o emprego perfeito, o corpo perfeito tivesse sido empregada em aproveitar o cara imperfeito do momento, tentar melhorar o emprego meia-boca ou comer menos, eu teria tudo o que sempre quis.
Mas o grande lance é que a gente gosta da ansiedade. A gente gosta de sempre procurar o que não tem e desvalorizar o que tem. Não sei porque é tão difícil enxergar as coisas que estão perto.
Tomei a decisão de mudar meu ponto de vista a partir do dia seguinte e começar a aproveitar plenamente meus dias.
Vou ligar para aqueles amigos que eu não vejo a um tempão. Vou realmente tomar aquele chopp que já está a anos marcado e nunca saiu. Vou cuidar melhor da minha saúde. Vou arranjar um namorado, mas não precisa ser perfeito, pode ter até uma barriguinha.
Me senti satisfeita e bem alimentada. Estava adorando meus "insights".
Minha noite sem sono estava valendo tanto quanto um livro de auto-ajuda (R$ 24,99).
Levantei orgulhosa de mim e fui para o meu quarto quente, preparada para dormir o sono dos justos mesmo no calor escaldante do Rio de Janeiro em Novembro.
Sacudi os lençois, afofei o travesseiro e, finalmente, deitei de bruços.
Fechei meus olhos, sorri um sorriso tranquilo, prenúncio de uma nova pessoa.
Todas as luzes da casa se acenderam. O ventilador começou a rodar com um barulho infernal. A televisão ligou sozinha e o volume estava no máximo.
Levantei de um pulo.
Da minha janela pude ver quase todas as janelas dos outros prédios acesas como as minhas.
Imaginei que as pessoas tivessem tomado o mesmo susto que eu.
Saí desligando as luzes da casa toda, pensnado se tinha como processar a Light pela minha comida estragada.
Amanhã iria falar com a minha amiga advogada para saber como se faz.
Putz, amanhã eu tenho uma reunião marcada logo para as 9h!
Que merda! Onde eu estava com a cabeça quando aceitei esse compromisso?
De manhã, depois de não ter dormido nada, ainda vou ter de fazer escova e me maquiar.
Vai estar uma calor do cacete!
O ar condicionado do carro não está funcionando...
Tenho de dar um jeito de levar no mecânico na hora do almoço. Espero que o cara não tenha de ficar com o carro lá, porque ainda pegar ônibus cheio no fim do dia é o que me faltava.
Agora não iria mais conseguir dormir...